Caros colegas,
Tomei a liberdade de publicar um comentário feito pela professora Mércia de Oliveira Portela Castro da escola "X". Seria uma resposta a uma pregunta colocada pelas alunas Lídia e Paula Costa da turma V, mas se desdobra em um verdadeiro diálogo(professores e futuros professores) sobre a prática docente, que vale a pena ser lida.
Um abraço,
kelly
Aos futuros educadores da FaE
Farei aqui um único comentário em resposta a uma pergunta feita em um dos depoimentos dos estagiários que, com muito prazer, recebemos em nossa escola.
“Como trazer sentido num ensino que não faz sentido a muitos alunos de escolas públicas?”
Para mim a pergunta correta seria:
“Como trazer sentido à importância do ensino e da vida de crianças em um país que lhes tira todos os sonhos de um futuro melhor?”
Há 28 anos atrás, quando iniciei minha carreira de educadora, eu sempre ouvia a célebre frase dita pelas grandes autoridades da época: “As crianças são o futuro do país.”Eu acreditava e acredito ainda neste sonho. Mas, quando hoje, pergunto para uma criança qual é o seu sonho para o futuro, ela me responde: “_ Nada, professora!”
Nesses 28 anos de carreira, vi muitas coisas acontecerem. O homem pisar na Lua, a invenção do micro-ondas, do freezer, do computador, da tv em cores ... O mundo evoluiu muito, mas a escola ficou ali, parada, presa dentro de seus muros como se lá fora nada estivesse acontecendo. A escola era apenas um lugar onde o aluno ia para aprender a ler, escrever e saber as quatro operações matemáticas. Pouco a pouco, nós, professores fomos tentando sair para fora desse muro, buscando a ajuda dos nossos governantes e de toda a sociedade para formar não só robozinhos que decoravam operações, datas, estados e suas capitais, nome do presidente da república. Queríamos formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. Aí, viramos subversivos, fomos chamados de irresponsáveis e colocaram a culpa de todos os problemas sociais nas escolas que não educam bem as crianças.Nossas crianças não têm mais ídolos, não há mais respeito com o outro, a gentileza é chamada de “babaquice”, palavrões são tão comuns que já não nos assustam mais e estudar para quê, se a televisão traz muito mais prazer do que uma sala de aula? Hoje, vivemos no mundo onde o TER superou o SER. O aluno bom da escola é aquele que enfrenta o professor física e moralmente, que não respeita seus pais e nem mesmo a polícia. Quem serão os culpados por essa falta de sonho em nossas crianças? Nós, os professores que ficamos elaborando projetos e mais projetos incansavelmente, para conseguirmos pelo menos um minuto que seja da atenção de nossos alunos, que saímos de uma escola para outra, trabalhando às vezes em três turnos, buscando formas de participarmos de cursos de pós-graduação e outros? Serão os políticos que de forma vergonhosa governam e roubam nosso país e assim nosso esforço e trabalho na busca do progresso da nossa nação e a esperança de termos uma vida mais digna? Será a mídia que mostra que a pobreza nas novelas não é igual à pobreza das periferias? Ou o atendimento médico que não trata a todos como seres humanos iguais e que têm os mesmos direitos? Ou será que o problema esteja na família onde pai e mãe estão ausentes do cotidiano de seus filhos, pois precisam trabalhar para sobreviver e a criança é obrigada a amadurecer antes do tempo sem acompanhamento de seus pais? E porque ficamos assustados quando vemos alunos que estão na 8ª série e não aprenderam a ler, escrever, somar, dividir, etc? Eles também existiam há muitos e muitos anos atrás. A diferença é que, por terem dificuldades de aprendizagem e a escola oferecer apenas um método de ensino, esses evadiam-se porque se sentiam humilhados quando chamados de “Repetentes”. É fácil encontrá-los por aí. São os analfabetos de hoje e, para nossa alegria, alguns deles se matriculam em cursos oferecidos para adultos. A diferença entre o ontem e o hoje é que os alunos que hoje têm dificuldades de aprendizagem continuam na escola e nós, professores buscamos auxiliá-los em salas com até mais de 35 alunos. Queremos todas as crianças nas escolas, queremos um ensino de qualidade, queremos ensinar e aprender com eles, queremos ser valorizados e principalmente, queremos que eles tenham “sonhos”, porque são os sonhos que nos dão força para enfrentar esse mundo onde a violência, a insegurança, a fome já batem em nossas portas.
Que venham os estudantes das universidades observar e participar do cotidiano das nossas escolas para que no futuro não se iludam como muitos de nós que começamos nosso trabalho cheios de idealismos e sonhos, como uma viagem maravilhosa num Titanic, mas que de repente nos deparamos com um iceberg político-social e aí, salve-se quem puder. Nós, os sobreviventes, ainda ficamos tapando os buracos imensos que os governantes e a sociedade fingem não ver , para que o navio da educação não afunde.
Quero parabenizar os estudantes dessa conceituada faculdade que tiveram a coragem de vivenciar a realidade da educação e esperamos que futuramente nos ajudem a manter nosso navio ainda flutuando por mares mais calmos.
Um Abraço,Professora Mércia de Oliveira Portela Castro